quinta-feira, 10 de março de 2016

Intimações


Rua sempre rende boas histórias, lembro de um reforço cartorário em Pelotas que rendeu muitas:
1- Fomos intimar um cidadão no bairro Pestano se não me engano. Daí estacionamos a VTR (viaturas) em frente a uma casa verde, e mal descemos um cidadão veio puxar papo, falando que a coisa no bairro tava feia, muita chinelagem, etc. Dai o colega responde. Também o maior traficante do bairro mora ai nessa casa verde. E de pronto o cidadão salta. Mas... Mas.. essa casa é minha... Era o próprio, e o colega não tinha se dado conta.

2- Um comissário antigão, daqueles fuçador, e resolvedor de coisa encravada, indignado com um
suspeito, que havia sido intimado várias vezes e não aparecia. Pegou as chaves da vtr, me chamou e fomos lá trazer a marra o sujeitinho. Em frente ao barraco de madeira, caindo aos pedaços, batemos palma, e nada, mas a porta estava aberta e fomos entrando. E o comissa avisando o fulano de tal, é a policia, viemos te levar para pegar teu depoimento. E vemos um vulto levantando de vagar, da cama. E o colega, pergunta, tchê , ta pensando, o que?! Porque não apareceu na DP? E o cidadão da uma tossida, e manda: Desculpe, “senhô”, é que to com tuberculose. Bom, o comissário, que estava quase pegando o homem pelo pulso, começou a dar de ré. Meio que gaguejar e dizer: Não... Não precisa mais vizinho... Pode fica aí... E saí suando da casa, dizendo: Tá loco. Vai que me da um contravapor desse troço brabo!

Fernando Sant'Anna

quarta-feira, 2 de março de 2016

Mandinga Braba


Estava eu com uma escuta telefônica, referente a um homicídio. E nas conversas entre tantas bobagens, a investigada conversava horas com sua mãe, sobre magia negra, mandando “cobrinhas” para os inimigos. E todo tipo de mau-olhado. E nessas entra meu nome no meio. Mandando muitas cobrinhas para o policial aqui. Dei muitas risadas e “mostrei” pros colegas o “feitiço” da suspeita. O que rendeu muitas gargalhadas e piadas na DP. Passado um tempo e esquecido esse fato pitoresco. Do nada, comecei a sentir dores abdominais lancinantes. A dor era tanta, que me prostei deitado, e não conseguia levantar, conseguindo apenas ficar em posição fetal. Fui encaminhado por familiares ao hospital onde fiz todo tipo de exame, e os médicos não achavam nada. Fiquei três dias hospitalizado, tomando todo tipo de anestésico, dipirona na veia, benzetacil, e os médicos até estavam pensando em me dar morfina, mas não tinha justificativa para tanto, pois os exames nada apontavam. Cansado de sentir dor numa cama de hospital, briguei com os médicos e pedi alta, se era para ficar deitado morrendo de dor, preferia ficar em casa. E mesmo com protestos dos “doutores”, e de tinha família, fiz que me carregassem do hospital. Fiquei sabendo de uma tal clinica especializada em dor crônica, tal de clinica da dor, e lá me fui. Na tal clinica a médica olhou meus exames, ressonâncias, tomografias, exame de sangue e diabo a quatro. Me olhou bem no grão do olho e disse. – O que tu tem é um mistério, nunca vi nada igual,  se um dia tu descobrir volta e me conta. Não sei se ria ou chorava. Voltei pra casa, carregado, para continuar deitado, chorando de cólicas e dores abdominais. Até que minha sogra, sugeriu de eu ir, em uma tal benzedeira, de nome Mineira. Eu ateu convicto até então, quis debochar, mas como a dor era muita, aceitei. Entrei carregado e louco de dor, na casa simples da senhoria. Que olhou pra mim, disse que aquilo era trabalho, fez uma reza, rápida. E disse que estava desfeito, e eu ia melhorar. No dia seguinte já conseguia sentar. Dali poucos dias estava bom de novo. É como diz o ditado “O cara é ateu até dar uma dor de barriga forte” (literalmente).

terça-feira, 14 de abril de 2015

Saci e o cara pelado


Tem coisa nessa vida de polícia, que nem a ficção consegue copiar. E esse é um caso. Mais uma daquelas “forças-tarefas”, para resolver casos antigos de homicídio. Coisa de 10 anos atrás engavetada, tipo, homicídio que não se sabia nem a identidade da vítima, ou sequer se tinha escutado uma testemunha, apenas com a ocorrência e atestado de óbito e só. E lá vamos nós, tratando de meter um monte de gente pra dentro da DP, ouvir viúva, filhos, netos, vizinhos de gente que tinha morrido a muito. E nessas o Intrépido Comissário (“sujeitinho terrível” já citado neste sitio preteritamente), estava fuçando um caso, assas intrigante. A cena era a seguinte, encontraram um vivente morto, completamente nu, numa casa de campanha, solito no más. A gloriosa PM foi ao local, onde o dono da propriedade já estava os aguardando, posto o morrente, ser seu peão, e segundo ele havia sido avisado do fato, por vizinhos, que encontraram-no.  Os PMs notaram que além do “cadarve”, havia um forte odor de urina no recinto, porém não encontram as roupas do mesmo, nenhum sinal de arrombamento, muito menos a arma do crime. Sem ter nenhum vizinho próximo, o Dono da casa ter um hálito e álibis forte, pois, houvera pousado na casa das “primas”, na noite do fato, e ainda estava fedendo a pinga e perfume barato, segundo recuerdos dos praças, relatados a termo. E o comissáriozinho, chamou gente, viúvas, e até agente funerário, e nada. De nebuloso foi ter aparecido uma espingarda dias depois, em uma tonel d’agua, no pátio atrás da casa. Que mais tarde se soube ser do tal Deoclécio, dono do sitio. Forte suspeita. Porque teria ele escondido a arma de não fora ele o matador? E suicídio não foi, quem se pela, e se mata com um tiro no pescoço, ainda mais tiro de espingarda? Tem que ser muito artista! Tudo apontava pro Deoclécio, mas o vivente tinha um álibis forte mesmo, mais forte que o perfume das cabroxas, da zoninha próxima, que corroboraram suas versão. De que o veio, não estava em casa, na hora da morte, hora esta estipulada pela pericia criminal. Mas apertado o velho Deoclécio, disse ter escondido a espingarda, pois, a encontrou do lado do morto, e por não ter registro, acabou ficando com medo de ser preso, e a enfiou no tonel d’agua antes da PM chegar. A história até tinha cabimento, mas o polícia sabia que tinha bem mais coisa nesse angu. E o velho Deoclécio, a única coisa que disse foi que o tal morto, era muito amigo de um tal de Saci, um mulato, bebum, que vivia de casa em casa fazendo um servicinho que outro, e que tinha esse apelido por não ter uma das pernas. E que esse tal Saci seguido bebia na companhia da vítima, e pousava na casa, mas que depois da morte, Saci sumiu do lugar, indo morar, segundo informes de rua, na casa de sua mãe, na cidade vizinha. E lá se fomos intimar o tal Saci, a mais de 5 anos do fato. E difícil era encontra o tal homizinho, ficamos os três meses de força-tarefa atrás dele, e nada. A mãe dizia que ele estava trabalhando num circo, e seu paradeiro era incerto. De tanto insistir o velho policia conseguiu um número de telefone e até conversou com o tal Saci, que se prontificou a dar depoimento, mas não apareceu. Mais de ano se passou, e fomos chamados novamente pra retomar aquela força tarefa, e lá estava o caso em aberto, atacando a ulcera do velho polícia, acostumado a não deixar caso sem solução. Fuça dali, fuça de lá, e achou outra linha de investigação, um tal vizinho que morreu de acidente de moto naquela mesma noite. O comissário, já traquinou na cabeça, que o cara podia ter “matado o morto”, e fugido as pressas e morrido nessas. Quem sabe um crime de cunho moral, lavar a honra por traição, coisas do tipo. E lá foi ouvir a viúva, mas ela jurou de pé junto nada ter haver com o morto, e que seu marido, foi atropelado por uma carreta sem freios. Lá se foi mais um suspeito. O jeito era voltar pro tal Saci, e o jeito foi ir de susto na casa da mãe dele, e o home tava lá, o enfiamos na VTR e lá foi o escrivão colher a oitiva do suspeito, mas que em nada colaborou. Tudo muito vago, disse apenas que conhecia o morto, e que ambos eram alcoólatras, e se reuniam pra beber às vezes, mas que não estava lá no dia da morte, que estava na casa de sua mãe, coisa que a velha confirmou. Isso que o comissário insistiu, dizendo que o crime era antigo, que os dois podiam ter brigado bêbados, e que o Saci, podia ter matado o outro em legitima defesa, e coisa e tal, dando idéia, pro sujeito achar que não ia dar nada. Aquela velha história de cerca Lourenço, chamando a mãe do Saci de dona, e se fazendo parecer pessoa intima da família, papo mole, que quase sempre causava simpatia até no pior dos “vagos” e fazia o polícia parecer inofensivo, e assim ele resolvia “mais uma bronquinha” como ele mesmo chamava os crimes mais cabeludos. Mas não adiantou o saci, era sujeito liso, e malandro pra mais de metro, não deu uma brecha, mesmo apertando a mão do polícia no final, e dizendo que se soubesse de algo lhe ligava. O veinho lhe olhou no grão dos olhos, e soltou a ultima: - Meu filho, tu sabe que se foi tu que fez isso, tu tirou o filho de alguém. Imagina se fosse tu. Não acha que tua mãe ia sofrer muito, sem saber quem tinha matado o filho dela? Será que vale a pena carregar esse remorso nos ombros? Pensa filho. O saci fez que não deu bola, apesar da mãe dele mostrar visível comoção. Bom enfim... O saci foi embora, e o mutirão acabou, e o caso continuo um mistério total, pois é nem sempre se ganha, mesmo sendo um velho polícia. Se passou mais de três meses e eu em casa de férias dormindo com a patroa, quando toca o telefone, e ela me entrega:
- É um colega teu.
- Alô?! 
- E aí meu guri, é o Comissário.
- Blz chefia! Que conta?
- Nem sabe... Adivinha?
Como eu ia saber? Nem imagina a que devia aquela ligação.
- O Saci me ligou, e confesso tudo, foi ele que mato o cara pelado.
Poutz! Como diz aqui no sul. Me caiu o butiá dos bolso!
E seguiu o velho Comissário.
- Ele me ligo, e disse que ia confessa mas que só fazia isso se fosse comigo. Eu tava viajando com a mulher em outro estado, e parei as férias e voltei só pra ouvir o cara, acredita?
Conhecendo o Comissário, não tinha como não acreditar. 
- Marquei o dia, e ele apareceu na DP. E contou tudo como foi. Ele foi beber na casa do morto, como sempre fazia. E encheram a cara, daí tiveram aquela “ideinha” ordinária. “Faze meia”. O morto era “viado”, e disse que queria chupa o Saci, e o Saci aceito, afinal, segundo ele: Boca é boca. Mas após o ato, o morto, quis se beneficia do Saci também.  Que como não tem uma perna, e era mais fraco, não conseguiu segura o home, que o “fez”. Com raiva e a bunda doendo, o Saci saiu lá fora, viu a espingarda o velho Deoclécio, e fuzilo o home. Tiro a roupa dele, e deixo ele deitado morto, no chão da cozinha, e ainda mijo em cima de raiva. Acredita?
Como duvidar?
Mais um caso do além, que o velhinho solucionava, com sua conversinha.
Não tinha nada, ninguém sabia, só o Saci, e ele confesso pro velhinho.
É... O Diabo é diabo, não por que é mau, mas sim porque é velho.

Autor: Sant'Anna

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Vida Seca


Final de semana de sobreaviso, me ligam da policia militar, por volta das 19 horas, dizendo que deu um acidente feio na entrada da cidade. Ixi! Já era meu descanso, penso eu. Uma carreta passou por cima de um belina.. Ligo para a chefia, que me manda, contatar a pericia e ir preservar o local. E lá me vou desarvorado, ligo pra patroa e digo que já era o programa da noite. Chegando no local do acidente, parecia atração turística, metade dos automóveis da pequena cidadezinha, estavam na rodovia atravancando o transito, e muitos populares em volta dos corpos. A cena não era nada boa. Uma carreta Scania, carregada amontoou um belinazinha, que aparentemente tinha cortado a frente da carreta. A policia rodoviária já estava o local, com o motorista da carreta, que estava apavorado, mas lucido, e fez bafometro, sem que nada fosse constatado. No local os dois policiais rodoviários, fazendo o B.O., um policial militar e eu. E muitos curiosos em volta do belina, algum até mexendo nos restos do belina. E lá fui eu dando empurrão, e abrindo caminho. Tentando isolar o lugar. Que inferno! No barranco os dois corpos atirados para fora do belina. Um casal de idosos. Ela literalmente voou pela janela, e ele com metade do corpo para fora do carro, ambos com fraturas em todo corpo, não teve ossinho que não quebrou. Alguns populares cobriram os copos até a chegada da pericia, que demorou muito, chegando somente a meia noite. E quando a pericia chegou lá pela meia-noite, também não foi fácil, a caipirada, se metia no meio das medições, os carros não paravam de cruzar, um transtorno. Incrível esse prazer mórbido, que as pessoas tem de ver sangue, admirar a tragédia, ou até mesmo pegar uma caroninha na dor dos outros. E em volta uma nora chata, muito preocupada com os pertences dos mortos. Deus o livre se alguém pegasse as roupas, ou pertences que estavam nas malas antes dela. Mal a perícia saiu, e os familiares voaram para dentro do belinazinha revirando o porta-luvas, e consoles, em busca de algo que pudessem se apropriar. A nora deu jeito de pegar as alianças das vítimas, outro um saco de feijão, e outra sacola de supermercado, assim os corpos foram vilipendiados, antes de entrar no rabecão. Que tristeza mermão. Gente morta já não me choca mais, mas os vivos nunca param de me apavorar. Vida seca essa. 

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Entrando no bororé


Por mais experiência que se tenha, nunca se esta imune a surpresas.  E este foi o caso. Entra um cidadão querendo fazer um registro, de “roubo” (sempre que dizem roubo, pelo menos em cidade pequena se trata de um furto), sua sacola contendo sua carteira e vários pertences, tinha sido subtraída. 
Durante o registro de ocorrência, nada de anormal. Dizia ele, que estava trabalhando construindo um muro na rua X, e havia deixado sua bolsa com seus pertences pendurada do outro lado da rua, e que viu três gaúchos passando a cavalo. E  assim que os cavaleiros passaram, percebeu que sua bolsa sumiu, e viu ao longe um dos cavaleiros levando a bolsa dependurada. E o homem dizia aquilo com a maior convicção do mundo. 
Sem perder tempo convidei um colega e saímos com o “se dizente” vitima pelas ruas da cidade, para ver se localizávamos os suspeitos. Passando por um rapaz que estava na rua, a vítima o apontou dizendo que aquele ali tinha visto os cavaleiros. Perguntamos ao jovem e  ele confirmou ter visto três cavaleiros descendo na direção do rio. E lá se fomos, o mais rápido possível, e a vítima quieta e ansiosa, e nos entusiasmados em pegar os bandidos. 
Chegamos na beira do rio e não havia nenhum rastro de cavalo, e retornamos esperando mais alguma pista. E na viatura começa o vítima, a me chamar de “Jeferson”, nome nada parecido com o meu.  Falar coisas desconexas, e eu e meu colega nos olhando, com aquele expressão: “Esse é treze!” (treze entre os policias =  maluco). E o cara cantando dentro da viatura: “Lá vem o Rio Grande a cavalo, entrando no bororé”. Putz! Só que faltava. 
Chegando na DP, estavam a mãe e o pai do “se dizente” vitima, desesperados, dizendo que ele havia fugido do hospício, e estava desaparecido a três dias. É... Delegacia é para raio de maluco mesmo, pelo menos esse não era agressivo, se não quem teria entrado no bororé eramos nós. Menos mal que entregamos o maluco para a família. Enfim se o que ele queria era dar uma volta de viatura, conseguiu. 

autor:FSantAnna

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Coisas de Antigão


Rir dos próprios erros é sinal de sabedoria. Acredito que apenas o sábio consegue rir de seus erros, pois, o tolo faz de tudo para que ninguém descubra suas cagadas.
Na época eu estava em estágio em uma delegacia da capital, e como estagiário vivia me cuidando pra não dar mancadas, e também como todo estagiário vivia as dando. Tomava uma oitiva e esquecia de mudar o cabeçalho e imprimia com o nome da vítima errado, ou trocava vitima por acusado; fazia mandado de intimação com endereço errado, e toda aquela gama de bobagens que a gente faz quando esta aprendendo.
A DP era grande tinha uns 30 policiais, a maioria policia velho, de barba branca, ou cabelo branco, isso quando tinham cabelo. E dentre essas peças raras todas, tinham três que se destacavam. O primeiro era uma moreninho com cara de índio de uns 50 anos, que passava o dia ligando pras “informantes”, mas foi o único que eu vi até hoje que chamava informante de “meu anjo”, e queria marca encontro com elas a noite, e persistente o home, levava um fora duma, já ligava pra outra. O outro policia também com lá seus 50, era alto e magro, calvo no meio, e com cabelo encaracolado nas laterais, era o chefe da investigação. E o terceiro, um ruivo alto (meio ruivo, meio grisalho), com bigodão, e um .38 com quase dois palmos de cano; parecendo o Eufrazino do Pernalonga. Uma trinca de respeito realmente, e um mais arriado que o outro.
E assim entram aqueles três policias velhos, dando gaitadas dentro do setor de investigação da delegacia. Como era óbvio todo mundo parou o que estava fazendo e lá se foram ver o que tinham aprontado.
O chefe da investigação quase sem conseguir falar direito de tanto rir começou a contar as proezas:
“Chegamos na vila pra cumprir busca na boca de fumo, os caras mal nos viram e começou a sai gente correndo pra todo lado, e aí cercamos a casa, e eu vi que um quis sai pela frente e voltou, daí fui pros fundos, e dei de cara com ele, apontei a arma pra ele e disse:- Aham... Te peguei! (vê se isso é coisa que um policial diga? No treinamento nos ensinam exaustivamente a dizer “policia parado”, ou no mínimo “tu ta preso”, mas, “Aham.. te peguei!” É coisa de brincadeira de criança e não pra um policial barbado dizer, e pior ou melhor, contava isso dando gaitadas, na presença até do delegado)”.
Depois foi o Eufrazino, que viu um vagabundo pulando o muro e entrando numa casa. Fez a volta e deu pezaço na porta da frente do barraco, deixando aos pulos a mulher que estava na sala com uma criança no colo, invadiu a casa com seu trabuco de dois palmos de cano, e viu um cara parecido com o vago, na cozinha de costas em frente à geladeira aberta, como se fosse fazer um lanche. Daí ele deu um tapinha nas costas do camarada e disse: - E ai?
- Ué to fazendo um lanche, ta servido?
Então ele olhou pros pés do cidadão, cheios de barro, e deu a voz de prisão:- Ta preso vagabundo!
Todo embarrado da fuga, e tem a cara de pau de oferecer lanchinho pro policia, cada um que aparece...
E pra completar o moreninho metido a galã, saiu correndo atrás de outro no meio de um banhadal, gritando:- parado, se não eu atiro! Aí sim que o vago virou em pernas. Daí ele mirou bem, e apertou o gatilho, e o revolver “Tec, Tec, Tec”. Não saiu viva bala daquele cano. Negou fogo. Não deu um tirinho sequer. E nisto os outros dois já estavam vendo tudo, e caíram na risada. E voltou ele com o .38 na mão, todo cabisbaixo. E na delegacia o delegado perguntou que tinha acontecido com o revolver dele, e ele deu de ombros dizendo:- mas eu não sei... Mostrando aquela relíquia da 2ª guerra, toda enferrujada. Era certo que um troço naquele estado de conservação não tinha condições de ferir ninguém, no máximo matar de tétano.
E assim foi... O que para muitos seria motivo de vergonha, pra eles era motivo de risada, e ninguém os achou menos policia por causa disso, muito menos o delegado que os mantinha em alta estima, pois se não eram um primor de técnica, pelo menos agitavam a delegacia.


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Bicho homem


Essa é mais uma história ouvida entre as paredes das delegacias. Nunca gostei muito de estorias policiais, mas no bate-papo com os colegas de profissão, a gente ouve cada uma, que nem o melhor romance de Agatha Christie seria capaz de reproduzir. È esta historia não escrita da policia, feita do dia a dia do policia comum, que eu acho realmente fascinante, e não aquelas besteiras de Hollywood.
Esta me foi contada pelo colega VWD, numa dessas delegacias pequenas de nosso longínquo interior. Profissional seríssimo, bem diferente de muitos fanfarrões que gostam de contar com galhardia, qualquer feito desde o menor como se fosse um ato de bravura homérico. Acabou me contando ao acaso, enquanto nos deslocávamos para  atender uma outra ocorrência de homicídio.
Disse ele que a algum tempo atrás atendeu uma ligação, de que numa localidade rural, bem afastada, haviam encontrado um feto, jogado no meio do chiqueiro dos porcos. Sim! Um bebe recém-nascido, atirado sem vida no meio do chiqueiro dos porcos. Coisa ruim de imaginar... Mesmo para quem convive nesse meio. E lá se foi VW, ele mais outro, até a tal localidade.
Em la chegando, estava o capataz da propriedade que morava em um casebre de madeira, com mais 5 filhos e a esposa, em estado de choque, gaguejando, e puxando o policia pelo braço, para mostrar onde o corpo estava. Então na cerca do chiqueiro, o policial já avistou algo coberto de lodo, parecendo uma boneca. Ao entrar e se aproximar, não teve mais como confundir, era uma criança, recém-nascida,  com diversos ferimentos, e já sem vida.
O local foi isolado, os levantamentos devidamente feitos, e constatou-se que era um menino, e havia sido gravemente agredido, possuía dois cortes profundos na jugular, e outros hematomas diversos, e um grande na cabeça. Quem poderia ter feito aquilo? A casa mais próxima era a do capataz, as mulheres da casa eram sua mulher, uma bugra de uns 40 anos, e 3 filhas, umas de 15, outra de 13, e uma pequena de 7. A casa mais próxima dali ficava a mais de quilometro.
Foi coletado material, e levado para analise de DNA, mas como a realidade do Brasil, em nada ter haver com SCI, o exame levaria mais de mês para ter resposta.
O delegado e os policiais, quebravam a cabeça para entender como aquele bebe  tinha parado ali, pois, segundo os primeiros relatos da família, nenhuma das meninas estava gravida, mal saiam de casa, não tinham namorado, e outras mulheres não frequentavam a casa.
Vizinhos foram ouvidos, mas nada sabiam, apenas que a família era bastante reservada, mas nenhum fato que levantasse suspeitas.
O pai um pobre coitado, tinha quarenta anos com aparência de 60, semi-analfa, mal sabia falar. Muito nervoso, chocado coma situação, nada sabia, até achava ser coisa do diabo aquilo ali.
A mãe, também nada sabia, disse não estar gravida, e não ter nenhum motivo para abortar se estivesse, pois já tinha 5, um a mais ou a menos não faria diferença, e não acreditava que nenhuma das filhas estivesse, pois, não tinham contato com outros homens fora da família e não apresentaram nenhum sinal de gravidez.
A filha mais velha, gordinha, com cara de criança assustada, jurava nada saber, e ao ser “apertada” pelo delegado chorou.
A mais novinha, bem magrinha, parecia ter algum problema mental, pois, quase não falava, apenas balbuciava, e tinha que ser perguntada aos gritos. Estava empacada e também negou ser a mãe da criança.
Os dois meninos das família o de 16 e o de 10, nada disseram que se aproveitasse.
Um beco sem saída a principio, o jeito foi mandar as mulheres a exame. O que dava para pensar era que o pai poderia ter abusado de uma das filhas, e a gravidez ter sido escondida, com a conivência da mãe, ou ela mesma podia ter abortado a criança. Só o exame poderia dar alguma pista, já que uma mulher estranha a casa, ter invadido o chiqueiro e deixado o feto lá, seria muito difícil, sem que a família visse, só se fosse uma prima ou vizinha.
As mulheres tiveram que ir pra capital fazer exames, até marcar condução, e ficarem prontos os exames levou mais de semana. E quando vieram foi uma grande surpresa. A mãe não estava descartada, pois ainda era fértil;  a magrinha ninguém achava que fosse, muito pequeninha, e com apenas 13 anos; a gordinha de 15, era a mais forte suspeita, pois, seria mais fácil esconder a barriga. É mas os exames não deixaram duvidas. Era a de 13 anos, a mais magrinha, os exames comprovaram que havia parido a pouco.
A surpresa foi geral, até do delegado. Agora era saber as circunstancias.
A menina foi chamada novamente, e agora com os exames em mãos, tinha que desembuchar. A oitiva foi difícil, a menina era travada, “dava vontade de bater, pra ver se pegava no tranco”, dizia o colega. Mas até que foi, ela admitiu estar gravida, e por medo do que o pai iria fazer com ela, escondeu a gravidez, atava a barriga com trapos, e quando sentiu que iria parir, pegou uma faca e foi no meio do chiqueiro, e deu a luz, sozinha, sem conhecimento de ninguém. Não sabia o que fazer com a criança, então deu duas facadas no pescoço, e depois bateu com a cabeça do bebe contra uma pedra, e tentou esconder  no meio do barro.
Incrível imaginar que uma menina de 13 anos fosse capaz de uma coisa dessas.
E quem era o pai?
O irmão de 16 era o pai.
Fácil imaginar, ao pensar que dormiam os 5 filhos amontados em colchões atirados no chão do mesmo quarto.
Na necropsia do bebe, ainda ficou demonstrado que o que matou não foram as facadas, e sim as batidas da cabeça da criança na pedra.
A menina foi internada da CASE por alguns anos, e hoje esta casada e já tem outros filhos, como se nada tivesse acontecido.
Criados feito bicho, dormindo amontoados, vivendo por extinto. E aí eu penso, isso é o bicho humano? Horas homem, horas bicho.